segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sete Homens Sem Destino

Certamente, Sete homens sem destino (Seven men from now – 1956), de Budd Boetticher, é um western por excelência. Belíssimas paisagens, a temática do tal velho-oeste, a busca por foras-da-lei, duelos memoráveis... tudo filmado magistralmente e com um apuro técnico digno dos grandes clássicos. Um homem persegue sete homens que assaltaram uma transportadora em Wells Fargo. Este ex-oficial, personagem de Randolph Scott, busca vingança e justiça, já que sua esposa fora assassinada durante o assalto. Não fosse o roteiro extremamente bem escrito e bem dirigido, não teria tal destaque. Como disse Bazin:

[...] a primeira surpresa que nos dá Sete homens sem destino vem da perfeição de um roteiro que realiza a proeza de nos surpreender continuamente a partir da trama rigorosamente clássica. Nada de símbolos, nem de segundas intenções filosóficas, nem sombra de psicologia, nada senão personagens ultra-convencionais com funções do arco-da-velha, mas uma organização extraordinariamente engenhosa e, sobretudo, uma invenção constante quanto aos detalhes capazes de renovar o interesse das situações.” (BAZIN, p. 221).

Neste trecho, Bazin trata da simplicidade no que diz respeito a grandes significados e significantes que, por vezes, são procurados no cinema. A inocência do trabalho em Sete homens sem destino, que é vista justamente nos grandes filmes do gênero é que dá a beleza da obra, não buscando se justificar por questões filosóficas e/ou psicológicas. O que Bazin chamaria de “metawestern” não é visto aqui. Os arquétipos se mantêm fiéis à proposta do gênero.

Das características tradicionais do gênero, tais como as citadas no início deste texto, podemos destacar as personagens. Nota-se que as personagens femininas são, essencialmente, boas. Pode-se dizer “personagens”, no plural, já que a esposa do protagonista, ainda que não apareça durante a narrativa no tempo fílmico, mas que é citada por vários momentos, é lembrada sempre com carinho e ternura. A dama que não foi salva e que não merece outra coisa que não ser vingada. Lembranças estas que não impedem o recém-viúvo de se encantar pela esposa do viajante que encontra pelo caminho. Ainda que o romance não se complete na trajetória do filme, esse encontro é mais do que natural no universo diegético e no entendimento do público. É claro que eles irão se encontrar em um futuro muito próximo para que este romance se consolide.

[...] Nota-se, com efeito, que a divisão dos bons e dos maus só existe para os homens. As mulheres, de alto a baixo da escala social, são, de qualquer modo, dignas de amor, pelo menos de estima ou de piedade. A menor meretriz é ainda redimida pelo amor ou pela morte [...] Por isso, no mundo do western, as mulheres são boas, é o homem que é mau. Tão mau que o melhor deve, de certo modo, redimir com suas provas a culpa original de seu sexo. (BAZIN, p.203).

Na citação acima, pode-se destacar não só o pensamento de Bazin quanto à característica primordial da mulher neste gênero, como também a posição antitética do homem neste universo. A mulher e o homem são distintos entre si. Os dois lados claramente separados. Mesmo o protagonista carrega em suas costas as condições de seu sexo. Não é incomum, assim, perceber nos western o “mocinho” como um fora-da-lei. Mesmo em Sete homens sem destino, Bem Stride não é mais o xerife da cidade. Não é, portanto, o homem da lei, mas sim um vingador. Não há limites para a sua busca por vingança e, por fim, ele acaba matando um por um dos assaltantes do trem, mesmo não sendo mais amparado pela estrela da lei. “Para ser eficaz, a justiça deve ser aplicada por homens tão fortes e temerários quanto os criminosos” (BAZIN, 205).


Trecho de Sete Homens Sem Destino

John Greer, o viajante que Strider encontra em sua jornada, não é forte, nem valente e, por este motivo, sua masculinidade é questionada em alguns momentos do filme. Ele perde, na visão de Bill Masters, a condição de poder ser casado com uma dama tão formosa quanto Annie. Ainda que esta conclusão seja exposta pelo vilão que já possui um passado criminoso, sua colocação em nenhum momento é questionada, nem pelo protagonista, nem pela própria Sra. Greer. John só justifica sua masculinidade quando escolhe desafiar os seus comparsas mesmo sabendo que não havia chance de sobreviver. Sua morte é a sua redenção. O curioso é que, nesse ponto ele se assemelha mais ao perfil feminino proposto por Bazin. Não sendo um homem tal como um herói, nem delicado, formoso e essencialmente bom como uma mulher, este personagem acaba por incorporar características de ambos.

Sete homens sem destino é, de fato, um filme de gênero. Suas características são marcantes e bem determinadas. Busca, deste modo, atingir um público específico, já educado a essas características e não se pretende mais que isso. Nos dias atuais, pode-se pensar, contudo, em outras relações e diálogos com outros gêneros conhecidos. O elemento melodramático da paixão entre um recém-viúvo e a mulher casada e o conflito que ambos sofrem em si mesmos para negar esse sentimento, cuja solução clara é a morte de John Greer para que, finalmente, os apaixonados possam seguir sem culpas é sempre muito presente em filmes de diversos gêneros, mas neste caso é bastante forte. Outro gênero que só veio a ser reconhecido como tal alguns anos depois, mas que tem muitas de suas características fincadas dentre as do western é o road movie. Não só pela questão da viagem, mas também pelo que ocorre neste translado, os diversos pontos de parada e seus acontecimentos, sua evolução e a espera do grande ápice da chegada ao destino são fatores de diálogo entre estes gêneros efetivamente dados como americanos.

Este filme, como tantos outros, se mostra, definitivamente, como um grande exemplo não só do gênero western ou dos demais com os quais ele dialoga, mas sim como de todo o cinema clássico americano. Sua fidelidade com a proposta o faz coerente e, como já citado, inocente, não buscando nenhuma outra finalidade que não a de ser, enfim, um western. É assim que se pode ver o western. É assim que se pode enxergar o cinema norte-americano.


Bibliografia

BAZIN, André. “O western ou o cinema americano por excelência” In.:________O cinema: ensaios. Trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 199-208
BAZIN, André. “A evolução do western” In.:________O cinema: ensaios. Trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 209-217
BAZIN, André. “Um wester exemplar: Sete homens sem destino” In.:________O cinema: ensaios. Trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 219-224

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