quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Distrito 9

Depois de muito hype, da grande expectativa que essa produção de Peter Jackson causou na Comic-Con em San Diego e de uma premissa muito bacana e, de certa forma original, Distrito 9 acabou por ser um dos filmes mais esperados do ano. De um modo ou de outro, a fita é realmente surpreendente, construída em uma linguagem bacana e, principalmente, abordando uma temática delicada como uma quase-não-metáfora. Afinal, o tema da segregação que é o mote do filme não é tratado no sentido figurado, mas sim de forma efetiva. A diferença é que temos ali um povo alienígena. Substitua essa raça por qualquer outra cultura humana diferente do branco europeu ocidental e você encontrará várias situações vividas parecidas de fato pela história da humanidade. Todavia, o longa de Neill Blomkamp escorrega em alguns aspectos que acabam prejudicando um pouco o produto final.

Antes de falar dessas características, vale uma pequena sinopse: O longa começa contando a história de uma nave alienígena que fica "estacionada" nos céus de Joanesburgo, sem qualquer sinal de ser uma invasão hostil ou uma visita amigável. Simplesmente, fica ali. Quando os humanos, curiosos como sempre, conseguem adentrar o casco da nave, encontram uma galera e, sem saber o que fazer com esse povo todo, que a essa altura já estava bem doente, acabam os instalando provisoriamente em um acampamento, chamado Distrito 9, logo abaixo da espaçonave. Como a burocracia humana é lenta e empurra tudo com a barriga, o que era provisório se torna permanente e o acampamento se torna uma favela. Os visitantes, que acabam se tornando de fato habitantes da Terra incomodam demais os humanos locais e, depois de 20 anos de conflitos e segregação, as autoridades decidem transferir a população alienígena, que crescera quase 100% em duas décadas, para um outro local mais distante das cidades humanas. Um dos responsáveis pela transferência, Wikus Van De Merwe (Sharlto Copley) acaba se contaminando ao entrar em contato com um fluido bizarro em um dos barracos e isso acaba lhe causando problemas, o que será o centro narrativo do filme.

Não por acaso, Distrito 9 foi rodado na África do Sul, e está o tempo todo tratando diretamente e sem meias palavras de segregação racial, de preconceitos de todos os tipos, de desrespeito, de intolerância e todo e qualquer conflito que o choque de culturas diferentes pode causar. Uma das grandes sacadas do filme é não fazer isso através de meias palavras. É tudo muito direto e explícito, mostrando uma coragem ímpar em tratar do assunto. Qual é e qual sempre foi a reação humana ao se deparar com o diferente? Qual é a primeira atitude que se toma ao se deparar com o outro que não segue os mesmos costumes, as mesmas normas de conduta e as mesmas convenções sociais com as quais estamos acostumados e que se materializam em nossas mentes como verdades absolutas? Como dito anteriormente, a história da humanidade conta com dezenas de capítulos que mostram as reações a esse "outro".

A linguagem narrativa também se mostra bastante arrojada. Ainda que não exatamente original, é extremamente incomum, principalmente para esse tipo de produção. A quarta parede é quebrada e o que vemos é um combinado de vários tipos de imagem e som, sejam eles captados por mecanismos diegéticos ou não. Ou seja, há sim as cenas narradas em terceira pessoa, que busca a transparência e a oniciência, mas há também momentos de depoimentos póstumos ao acontecimento, em uma clara alusão a esses documentários onde especialistas falam do ocorrido pela sua ótica profissional. Há também imagens de câmeras de segurança ou mesmo imagens de cinegrafistas que eram também personagens do filme, cada qual com a sua função narrativa. A soma de todos esses pontos de vista busca cobrir todo e qualquer discurso, ainda que em nenhum momento haja uma incoerência ideológica. Mesmo que os aliens não sejam mostrados como coitadinhos indefesos, o vilão do filme é o ser humano e isso é muito claro. E o mote é realmente quando um deles se vê em situação invertida. É a velha história do "se você estivesse no meu lugar..."

Ainda assim, nem tudo são flores. O filme se perde no excesso de didatismo ao dar ao expectador tudo mastigadinho sem deixar espaço para a interpretação. Talvez para não correr certos riscos de entendimentos dúbios, a produção está o tempo todo nos bombardeando com as informações literais do que está exatamente acontecendo, as vezes repetindo em texto o que se vê e vice-versa. É como se ainda não tivéssemos a possibilidade de identificar o que está sendo mostrado, de perceber sobre o que o filme está tratando de verdade. O excesso de clichês também parece contribuir para essa busca do fácil entendimento. Todos os arquétipos estão ali e só não pode ser entendido como uma livre adaptação de Hulk pela falta de uma Betty Ross. Cada personagem apresentado já traz consigo todas as suas características. Já sabemos quem será o escroto, quem será o mocinho, como cada um vai agir e até quais situações serão abordadas. É uma receita de bolo no lugar de roteiro onde só se trocam os morangos por uvas e pronto: temos uma coisa diferente.

No mais, a produção é bem cuidada, os efeitos especiais estão bem satisfatórios, principalmente levando-se em conta que é um filme de baixo orçamento (visto que 30 milhões de dólares é uma miséria em termos de ficção científica na indústria do cinema e, só a título de comparação, Avatar custou 400 milhões, ou seja, cerca de 13 vezes mais). Obviamente que o final abre espaço para continuações e a história permite mesmo que se contem novos capítulos de um plot realmente inteligente e interessante. Tomara que nos próximos capítulos, caso realmente aconteçam, os responsáveis tenham com a narrativa a mesma coragem que já tiveram com o tema. Certamente, o universo dos próximos distritos terá realmente algo a acrescentar ao gênero e ao cinema como um todo.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Saga Crepúsculo: Lua Nova

E não é que no final das contas, eu acabei me rendendo à toda histeria? Depois de algumas semanas resistindo ao burburinho, lá vou eu assistir a mais nova produção baseada na série de filmes escrita por Stephenie Meyer. Continuação de Crepúsculo, Lua Nova embarca no fenômeno alcançado pelo seu predecessor e aposta na mesma linguagem adolescente que conquistou multidões de garotas de 12 anos pelo mundo inteiro (independentemente da idade do R.G.). E lá estou eu em um domingo chuvoso, na já esvaziada sala de cinema da quarta semana do filme em cartaz, evitando assim suspiros e gritos alucinados a cada camiseta arrancada, a cada palavra melada ou a cada declaração de amor eterno.

Tecnicamente, Lua Nova é muito melhor que Crepúsculo. Talvez mais dinheiro tenha ajudado, mas há um certo profissionalismo mais evidente no filme, que agora tem cara de cinema, de fato, já que o anterior tinha cara de uma versão infantil do seriado True Blood. O roteiro é bem amarradinho e tem um ritmo interessante, ainda que a primeira parte pareça se arrastar mais do que deveria. A fotografia é bonita e em momento algum transparece alegria, luz, ou liberdade. É sempre melancólica, tal como a personagem se mostrava depois de ter sido abandonada. As interpretações não comprometem, a não ser pelo fato de que atores de 25 ou 30 anos continuarem a interpretar garotos de 16 com a maior cara-de-pau, e essa idade acaba sendo bastante martelada no filme, já que além do abandono, o passar do tempo também se mostra um problema para a protagonista Bella. No mais, efeitos especiais convincentes e adequados já são uma ótima evolução se comparados aos efeitos meia-boca de Crepúsculo. E a comparação é sempre inevitável, já que cada qual é uma parte de um grande e único filme, ou como eles gostam de chamar, saga.

O que mais incomoda mesmo é a trama construída a partir de um plot, ou de um ponto-de-partida, ruim. Depois de passar poucas e boas para ficar com a garota, Edward decide se afastar dela para tentar protegê-la, abandonando-a independentemente da vontade dela. Isso a faz definhar e sofrer, principalmente pelo papo-furado que ele usou como desculpa para partir de que ela não é boa o bastante para ele. Tudo bem que a grande metáfora do sacrifício pela amada está ali e é tudo o que o público espera, mas nem mesmo a novelinha global Malhação usa mais de um enredo tão fraco. E olhe que o rapaz tem 109 anos e, teoricamente, teria um tempo de amadurecimento e de entendimento das coisas para saber que esse tipo de afastamento não ajudaria em nada a ele ou a ela. Mas enfim, o rapaz parte e some na primeira metade do filme, deixando caminho livre para Jacob se aproximar de Bella. Algumas camisas arrancadas, sorrisos amarelados e mais camisas arrancadas e o casal já troca aqueles olhares que todos sabem o que significam até que a história se repete e ela descobre o segredo do garoto, iniciando um novo drama.

No final, obviamente que tudo o que todos estão esperando acontece e não cabe a esse texto descrever o desfecho que a essa altura não é segredo nem pra quem nunca ouviu falar do filme. O fato é que a narrativa tem todos os elementos que precisa ter e, se há algo que Hollywood sabe fazer bem é dar ao seu público o que ele quer. Está tudo lá: romance, barrigas definidas, adolescentes em crise de identidade, aventuras, amor acima de tudo, hormônios à flor-da-pele... o longa é uma amálgama de situações para causar a tal identificação do público com os personagens. Faltou um pouco mais de leveza, de momentos de alívio cômico, já que a situação pode causar ótimas pequenas piadas que dariam aquele respiro durante a trama sempre muito pesada, mas a estética emo de sofrimento 24 horas diárias por amor não permitiria tal licença e, desta forma, tudo é sério demais. Se para quem já passou dos 20 anos, os dramas de Bella podem soar ingênios e coisas da idade, para quem tem menos é a representação do mundo caindo sobre si.

Sinceramente, não há nada na Saga Crepúsculo que não haja em True Blood. A diferença é que nesse segundo, a série de TV citada anteriormente, tudo parece muito mais maduro. A tal da tensão sexual está lá, só que bem mais resolvida, permitindo ao drama dar um passo além. Mesmo a crise do romance de um vampiro e uma humana, a passagem do tempo, a aceitação, o preconceito, a garota especial, tudo está lá, só de uma forma que pode evoluir para outros aspectos. Não há dúvidas que o universo criado por Meyer é bacana, mesmo não sendo a coisa mais original do mundo, e é possível que se explore esse universo para além de dramas adolescentes. Uma das cenas finais onde há os conflitos entre vampiros é um bom exemplo disso e uma das únicas cenas que realmente valem a pena, não só pela ação, mas também e principalmente pelas relações que se dão entre os personagens para além do romance que todo mundo já está cansado de acompanhar. Há muito mais além do simples maniqueísmo entre os bons e os maus, os vegetarianos e os carniceiros, os que gostam dos humanos e os que os detestam. Há variantes, há meios-tons que poderiam estar na primeira linha da narrativa. Mas tudo o que a cena conquista é deixada de lado no final, mostrando que o que importa de fato é quem vai ficar com quem. Uma pena.

Engraçado que esse é um dos poucos momentos onde a grande maioria das críticas negativas não significam nada. A forma como a franquia se estabeleceu enquanto meio de identificação com um público tão fiel é tão forte que é como a paixão de Bella por um vampiro ou mesmo o desejo dela de se transformar em um deles. Não importa o que os outros digam, não importa o que a razão diga. Ninguém mudará a opinião dela e tudo terá que ser do jeito que ela quer. Do mesmo modo, não importa o que se diga do filme. Este é a grande projeção pessoal dos fãs e, desta forma, como todos os sonhos e desejos, é perfeito. Bom para os fãs e bom para o bolso dos produtores.
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