"A Odisséia do cinema educativo", quinto capítulo do livro "Telas que Ensinam", de Pfromm Neto, se propõe a fazer um breve panorama histórico do cinema educativo no mundo, com um olhar especial para o que foi feito no Brasil desde a chegada do aparato audiovisual às terras tupiniquins.
Lembrando que o cinema surgiu no final do século IXX - pelo menos, oficialmente, já que há indícios e discordâncias sobre a tal exibição inaugural no Grand Café - tem-se então mais de um século de história de cinema, esta sempre ligada intrinsecamente à educação. A grande maioria dos filmes produzidos no início do século XX, ainda em curta-metragem (na sua maioria, menores dos que os padrões do formato hoje) tinham uma natureza documental. Desde vistas de lugares importantes e famosos, até registros de famílias influentes e outros notáveis, como artistas e esportistas em geral, esses filmes podem ser considerados os precursores do cinema educativo, já que tinham como objetivo a informação que, em um sentido mais amplo, é um objetivo do que se entende por educativo. Já nestas primeiras décadas, a aplicação do cinema enquanto instrumento de educação nas escolas já era debatido em congressos e encontros de educadores.
No Brasil, ainda que não haja registro da utilização destes vídeos nas escolas em seus primeiros anos, em 1910 nasce a filmoteca do Museu Nacional na capital federal. Aos poucos, o acervo brasileiro de fitas documentais, sobretudo tendo como tema a cultura nacional, como filmagens de rituais indígenas por exemplo, foi aumentando e, em 1929, o cinema educativo foi instituido nas escolas primárias do Rio de Janeiro, com a aquisição de projetores cinematográficos. Em seguida, já no ano de 1936, surgiu o INCE - Instituto Nacional de Cinema Educativo, iniciativa do governo federal, na figura do então ministro da educação, Gustavo Capanema, e do antropólogo Edgar Roquette-Pinto, diretor do instituto nos 10 primeiros anos. Também fez parte do quadro do INCE o cineasta Humberto Mauro, um dos mais renomados diretores do cinema brasileiro daquele momento. O instituto foi responsável pela produção de cerca de 350 filmes, sendo que destes mais de dois terços com a participação direta de Mauro, seja na produção ou na direção.
Já na segunda metade do século, houve um grande destaque para a difusão das filmotecas e cinematecas, sobretudo de filmes em 16mm, e a proliferação de projetores em escolas. Ainda que bastante restritos ao sudeste, sobretudo a então capital federal Rio de Janeiro, era grande o número de aparelhos de reprodução cinematrográfica em escolas, e a produção relativamente abundante de filmes, principalmente pelo INCE, ajudaram a aumentar o acervo e distribuir o cinema como forma de educação. Através de parcerias com instituições privadas, já nos anos 60, alguns orgãos estatais de cinema educativo também foram grandes responsáveis por esse aumento, sendo responsáveis pela tradução e adaptação de filmes produzidos em outros países, sobretudo os Estados Unidos. Com a expansão da televisão no país, nos anos 70, houve um grande impacto na produção, distribuição e exibição do cinema educativo no Brasil, tal como acontecera também com o cinema comercial. Ao mesmo tempo que a TV parecia tomar o lugar do cinema na preferência das pessoas, foi também uma grande ferramenta de divulgação dos filmes educativos produzidos, até pelo seu alcance ser ainda maior do que o cinema poderia imaginar. Um dos grandes destaques neste quesito é a Fundação Padre Anchieta, que originou a TV Cultura de São Paulo. Além da exibição de muitos dos filmes produzidos pelo Brasil ou traduzidos dos que vieram de outros países, também atuou nos anos 70 como uma distribuidora do cinema educativo, aumentando assim o alcance destes, que antes estavam bem restritos ao sudeste brasileiro. A TV, assim, se torna uma concorrente direta do cinema, ao mesmo tempo que é também uma facilitadora da sua divulgação.
Vila Sésamo
Os anos 80 e 90 não foram tão marcantes e produtivos no que consta sobre o cinema e, a essas alturas, o audiovisual educativo no Brasil. Muitos dos institutos, tais como o INCE e o SRAV foram abandonados e dissolvidos por mandos e desmandos políticos. As filmotecas e cinematecas sobreviveram com grande esforço e sacrifício de poucos homens, sem o apoio estatal de outrora. A produção televisiva, bastante impulsionada na década anterior acaba sofrendo do mesmo mal e, exatamente pelo caráter público, sofre dos mesmos males do cinema. Assim, pouco se produziu nestas duas décadas, se comparadas às anteriores. Exemplos como a tradução de Vila Sésamo nos anos 70 e 80, e a produção do Castelo Rá-Tim-Bum nos anos 90 se tornaram mais raros, sendo que o cinema educativo quase que se extinguiu por completo, e o que sobrou eram os velhos filmes dos anos 50 e 60, preservados pelas poucas filmotecas citadas anteriormente.
Pode-se concluir, desta forma, que o cinema educativo teve sua história pautada pela história do cinema comercial brasileiro. Em suas várias crises e alguns ápices, o cinema brasileiro como um todo sofreu com inconstâncias políticas e financeiras e sempre teve que se apoiar no estado. Quando este faltou, o cinema não conseguiu se auto-sustentar e, em alguns casos, jamais conseguiu se recuperar. Hoje, o cinema educativo brasileiro se resume aos (poucos) filmes conservados nos acervos que sobraram e a produção audiovisual educativa sobrevive por outras mídias, como a cada vez mais forte televisão e as chamadas mídias digitais, calcadas nas novas tecnologias, como discos, internet e dispositivos móveis.
Estudos realizados por Hoban Jr. e van Ormer nos anos 50 obtiveram conclusões interessantes sobre a aplicação do cinema na educação. Entre algumas destas conclusões, pode-se destacar que é possível aprender através de filmes, de forma rápida, clara e duradoura e que estes mesmos filmes, estimulando outras atividades de aprendizagem, podem substituir um professor médio, ou mesmo um excelente professor. Também chegaram à conclusão que cada filme pode ser recebido de maneiras diferentes por pessoas diferentes, variando conforme idade, sexo, classe social, etc. Pode-se entender que a comparação feita pelos pesquisadores entre filmes e professores é extremamente ilustrativa, já que é muito complicado afirmar que a ação do professor e de um filme é a mesma. Essa visão seria válida em uma concepção onde o professor é o puro tranmissor de conhecimentos e verdades pré-estabelecidas e que, assim, um filme informativo também poderia realizar esse papel. De uma forma geral, pode-se extrair desta pesquisa, a se relevar a sua datação e todos os pré-conceitos dos quais está contaminada, que o sistema educacional avalia que, de certo modo, a utilização do cinema em sala de aula, desde que bem planejada e executada, pode ajudar no desenvolvimento educacional de crianças, jovens e adultos.
A comunidade científica se utilizou muito do aparato do cinema para registro de pesquisas e descobertas, bem como divulgação de seus trabalhos em congressos, encontros e mesmo na difusão do conhecimento. Um grande exemplo disso foi a comunidade médica, que buscou no registro cinematográfico uma forma de demonstração de procedimentos cirúrgicos, sintomas de doenças raras e divulgação de curas e tratamentos. O próprio INCE produziu vários destes trabalhos, sendo o primeiro dos filmes produzidos pelo instituto um curta chamado “Lição de Taxidermia”, importante para a divulgação científica na área biológica. Também pelo INCE, foram produzidos filmes de outras áreas acadêmicas, tais como astronomia, história do Brasil e botânica, alguns dos quais exibidos e premiados em festivais do gênero educativo pelo mundo.
Desta forma, enfim, pode-se atestar que a produção cinematográfica com fins educativos no Brasil sempre esteve ligada ao apoio estatal, com mais ou menos intensidade e intervenção. Os grande destaques documentados pela história, tais como o INCE para o cinema e a TV Cultura, para a televisão, são iniciativas públicas, sustentadas por entusiastas e com relativo sucesso na sua produção e distribuição. A utilização do meio audiovisual na educação não data de hoje, nem de alguns anos atrás. Está na gênese do cinema, ou mesmo antes de sua inauguração oficial, e ambos tem suas histórias sempre entrelaçadas. Cabe a produtores, pedagogos, pesquisadores e todos os envolvidos no processo educacional e de produção audiovisual buscar o diálogo e a interação para que esta relação continue se estreitando, afim de que audiovisual e educação busquem juntos aperfeiçoar aquilo que vem construindo há muito tempo.
PFROMM NETTO, Samuel. A odisséia do cinema educativo. In: _________. Telas que ensinam: mídia e aprendizagem: do cinema ao computador. São Paulo: Alínea, 2001.
Lembrando que o cinema surgiu no final do século IXX - pelo menos, oficialmente, já que há indícios e discordâncias sobre a tal exibição inaugural no Grand Café - tem-se então mais de um século de história de cinema, esta sempre ligada intrinsecamente à educação. A grande maioria dos filmes produzidos no início do século XX, ainda em curta-metragem (na sua maioria, menores dos que os padrões do formato hoje) tinham uma natureza documental. Desde vistas de lugares importantes e famosos, até registros de famílias influentes e outros notáveis, como artistas e esportistas em geral, esses filmes podem ser considerados os precursores do cinema educativo, já que tinham como objetivo a informação que, em um sentido mais amplo, é um objetivo do que se entende por educativo. Já nestas primeiras décadas, a aplicação do cinema enquanto instrumento de educação nas escolas já era debatido em congressos e encontros de educadores.
No Brasil, ainda que não haja registro da utilização destes vídeos nas escolas em seus primeiros anos, em 1910 nasce a filmoteca do Museu Nacional na capital federal. Aos poucos, o acervo brasileiro de fitas documentais, sobretudo tendo como tema a cultura nacional, como filmagens de rituais indígenas por exemplo, foi aumentando e, em 1929, o cinema educativo foi instituido nas escolas primárias do Rio de Janeiro, com a aquisição de projetores cinematográficos. Em seguida, já no ano de 1936, surgiu o INCE - Instituto Nacional de Cinema Educativo, iniciativa do governo federal, na figura do então ministro da educação, Gustavo Capanema, e do antropólogo Edgar Roquette-Pinto, diretor do instituto nos 10 primeiros anos. Também fez parte do quadro do INCE o cineasta Humberto Mauro, um dos mais renomados diretores do cinema brasileiro daquele momento. O instituto foi responsável pela produção de cerca de 350 filmes, sendo que destes mais de dois terços com a participação direta de Mauro, seja na produção ou na direção.
Já na segunda metade do século, houve um grande destaque para a difusão das filmotecas e cinematecas, sobretudo de filmes em 16mm, e a proliferação de projetores em escolas. Ainda que bastante restritos ao sudeste, sobretudo a então capital federal Rio de Janeiro, era grande o número de aparelhos de reprodução cinematrográfica em escolas, e a produção relativamente abundante de filmes, principalmente pelo INCE, ajudaram a aumentar o acervo e distribuir o cinema como forma de educação. Através de parcerias com instituições privadas, já nos anos 60, alguns orgãos estatais de cinema educativo também foram grandes responsáveis por esse aumento, sendo responsáveis pela tradução e adaptação de filmes produzidos em outros países, sobretudo os Estados Unidos. Com a expansão da televisão no país, nos anos 70, houve um grande impacto na produção, distribuição e exibição do cinema educativo no Brasil, tal como acontecera também com o cinema comercial. Ao mesmo tempo que a TV parecia tomar o lugar do cinema na preferência das pessoas, foi também uma grande ferramenta de divulgação dos filmes educativos produzidos, até pelo seu alcance ser ainda maior do que o cinema poderia imaginar. Um dos grandes destaques neste quesito é a Fundação Padre Anchieta, que originou a TV Cultura de São Paulo. Além da exibição de muitos dos filmes produzidos pelo Brasil ou traduzidos dos que vieram de outros países, também atuou nos anos 70 como uma distribuidora do cinema educativo, aumentando assim o alcance destes, que antes estavam bem restritos ao sudeste brasileiro. A TV, assim, se torna uma concorrente direta do cinema, ao mesmo tempo que é também uma facilitadora da sua divulgação.
Vila Sésamo
Os anos 80 e 90 não foram tão marcantes e produtivos no que consta sobre o cinema e, a essas alturas, o audiovisual educativo no Brasil. Muitos dos institutos, tais como o INCE e o SRAV foram abandonados e dissolvidos por mandos e desmandos políticos. As filmotecas e cinematecas sobreviveram com grande esforço e sacrifício de poucos homens, sem o apoio estatal de outrora. A produção televisiva, bastante impulsionada na década anterior acaba sofrendo do mesmo mal e, exatamente pelo caráter público, sofre dos mesmos males do cinema. Assim, pouco se produziu nestas duas décadas, se comparadas às anteriores. Exemplos como a tradução de Vila Sésamo nos anos 70 e 80, e a produção do Castelo Rá-Tim-Bum nos anos 90 se tornaram mais raros, sendo que o cinema educativo quase que se extinguiu por completo, e o que sobrou eram os velhos filmes dos anos 50 e 60, preservados pelas poucas filmotecas citadas anteriormente.
Pode-se concluir, desta forma, que o cinema educativo teve sua história pautada pela história do cinema comercial brasileiro. Em suas várias crises e alguns ápices, o cinema brasileiro como um todo sofreu com inconstâncias políticas e financeiras e sempre teve que se apoiar no estado. Quando este faltou, o cinema não conseguiu se auto-sustentar e, em alguns casos, jamais conseguiu se recuperar. Hoje, o cinema educativo brasileiro se resume aos (poucos) filmes conservados nos acervos que sobraram e a produção audiovisual educativa sobrevive por outras mídias, como a cada vez mais forte televisão e as chamadas mídias digitais, calcadas nas novas tecnologias, como discos, internet e dispositivos móveis.
Estudos realizados por Hoban Jr. e van Ormer nos anos 50 obtiveram conclusões interessantes sobre a aplicação do cinema na educação. Entre algumas destas conclusões, pode-se destacar que é possível aprender através de filmes, de forma rápida, clara e duradoura e que estes mesmos filmes, estimulando outras atividades de aprendizagem, podem substituir um professor médio, ou mesmo um excelente professor. Também chegaram à conclusão que cada filme pode ser recebido de maneiras diferentes por pessoas diferentes, variando conforme idade, sexo, classe social, etc. Pode-se entender que a comparação feita pelos pesquisadores entre filmes e professores é extremamente ilustrativa, já que é muito complicado afirmar que a ação do professor e de um filme é a mesma. Essa visão seria válida em uma concepção onde o professor é o puro tranmissor de conhecimentos e verdades pré-estabelecidas e que, assim, um filme informativo também poderia realizar esse papel. De uma forma geral, pode-se extrair desta pesquisa, a se relevar a sua datação e todos os pré-conceitos dos quais está contaminada, que o sistema educacional avalia que, de certo modo, a utilização do cinema em sala de aula, desde que bem planejada e executada, pode ajudar no desenvolvimento educacional de crianças, jovens e adultos.
A comunidade científica se utilizou muito do aparato do cinema para registro de pesquisas e descobertas, bem como divulgação de seus trabalhos em congressos, encontros e mesmo na difusão do conhecimento. Um grande exemplo disso foi a comunidade médica, que buscou no registro cinematográfico uma forma de demonstração de procedimentos cirúrgicos, sintomas de doenças raras e divulgação de curas e tratamentos. O próprio INCE produziu vários destes trabalhos, sendo o primeiro dos filmes produzidos pelo instituto um curta chamado “Lição de Taxidermia”, importante para a divulgação científica na área biológica. Também pelo INCE, foram produzidos filmes de outras áreas acadêmicas, tais como astronomia, história do Brasil e botânica, alguns dos quais exibidos e premiados em festivais do gênero educativo pelo mundo.
Desta forma, enfim, pode-se atestar que a produção cinematográfica com fins educativos no Brasil sempre esteve ligada ao apoio estatal, com mais ou menos intensidade e intervenção. Os grande destaques documentados pela história, tais como o INCE para o cinema e a TV Cultura, para a televisão, são iniciativas públicas, sustentadas por entusiastas e com relativo sucesso na sua produção e distribuição. A utilização do meio audiovisual na educação não data de hoje, nem de alguns anos atrás. Está na gênese do cinema, ou mesmo antes de sua inauguração oficial, e ambos tem suas histórias sempre entrelaçadas. Cabe a produtores, pedagogos, pesquisadores e todos os envolvidos no processo educacional e de produção audiovisual buscar o diálogo e a interação para que esta relação continue se estreitando, afim de que audiovisual e educação busquem juntos aperfeiçoar aquilo que vem construindo há muito tempo.
PFROMM NETTO, Samuel. A odisséia do cinema educativo. In: _________. Telas que ensinam: mídia e aprendizagem: do cinema ao computador. São Paulo: Alínea, 2001.
2 comentários:
Oiee...
Vcs vão me achar meio velho, mas eu lembro desse programa kkkkk não da primeira vez que passou, mas de alguma reprise, eu juro! kkkk
bjs
Será que vc não viu a versão atual, Aninha? Porque até hoje passa na Cultura uma versão diferente...
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