Equilíbrio. Esse é talvez o ponto essencial para qualquer produto seriado. E talvez seja o maior dentre os pontos negativos da websérie Mortal Kombat Legacy, do diretor Kevin Tancharoen. Lançada neste ano de 2011, a série feita exclusivamente para a internet busca explorar um formato ainda muito pouco utilizado pelas grandes empresas. Contendo 9 episódios de aproximadamente 10 minutos cada, a experiência busca detalhar a origem de personagens já bastante conhecidos do seu público-alvo, abordando alguns pontos ainda ocultos na mitologia criada nos jogos, famosos desde os anos 1990, e fazendo a releitura de outros.
O primeiro problema é o erro estratégico da Warner, dona dos direitos da franquia. Releituras e diferenças entre histórias contadas em mídias distintas nunca foram um problema em si. Afinal, cada mídia tem sua própria linguagem e adaptações em todos os sentidos devem ser feitas para que o produto possa funcionar. A questão é o momento. A websérie foi lançada exatamente no mesmo momento em que o novo jogo estava entrando nas prateleiras, recontando a história base da franquia, em uma espécie de reboot que, ao mesmo tempo, abre uma nova linha narrativa. E mais ou menos o que foi feito com outra grande franquia, só que no cinema: Star Trek. E o modo de história propriamente dito do jogo é o mais detalhado possível. A série, por sua vez, tomou outra direção e conta a mesma trama com diferenças muito grandes em questões básicas, como a relação entre Kitana e Mileena, por exemplo. Ou seja, em tempos onde a estratégia da Narrativa Transmídia abre possibilidades de expansão do universo em uma estrutura multiplataforma, a escolha feita com Mortal Kombat é de criar algo paralelo e não-canônico, o que desagradou grande parte dos fãs mais fervorosos.
Outra questão que também prejudicou bastante a proposta é que, exatamente por ser uma experiência ainda pouco explorada, também não arrebanha muitos investimentos. Pensando em uma franquia de criação de universos paralelos, batalhas épicas, fantasia e elementos fantásticos, questões técnicas de efeitos especiais, direção de arte, fotografia e mesmo interpretação pesam demais. O resultado são episódios visualmente muito pobres, com ambientes mal produzidos, figurinos próximos de cosplays ruins e efeitos especiais bastante limitados. No episódio dedicado a Scorpion e Sub-Zero, por exemplo, ainda que o ambiente esteja bastante adequado com toda a neve e o espaço aberto, o figurino parece uma adaptação de roupas de moleton! Já o elenco reune atores e atrizes que muitas vezes só podem ser identificados quando são explicitamente chamados pelos nomes conhecidos. Mesmo assim, temos um Jax baixinho, uma Sonya Blade bem mais velha, Kano sem barba, Baraka parecendo um orc porcamente maquiado e um Shang Tsung tão raquítico que dá muita dó. Enfim, nenhuma credibilidade é passada pelas áreas mais importantes da produção.
Ainda com todos esses problemas, o que mais incomoda mesmo nestes poucos episódios é a falta de equilíbrio citado no começo deste texto. Cada episódio, mesmo todos eles sendo dirigidos pela mesma pessoa, tem estruturas estética, narrativa e linguística completamente diferentes entre si. Enquanto os primeiros episódios se pautam num certo realismo, os seguintes seguem por outras vias. Ainda que espaços diferentes exijam tratamentos diferentes (um universo policial é diferente de uma dimensão calcada na magia), as bases da construção são alteradas a cada novo ato. Se no momento que trata da história das ninjas assassinas há inserções de animação (ainda que sejam alguns dos pontos mais interessantes dos episódios), esse recurso é totalmente ignorado em outros momentos, sendo considerado, de fato, só uma experiência abandonada. Ou seja, não há uma proposta visual orgânica, onde o espectador pode se sentir confortável. A série perde exatamente o equilíbrio ultrapassando a linha entre experimentação e um emaranhado de cenas e histórias sem nenhuma proposta. E que isso fique muito claro: buscar alternativas narrativas sempre é bem-vindo, desde que essa proposta seja coerente em si.
Ainda assim, essa primeira temporada não é totalmente ruim ou descartável. Algumas coreografias de lutas são bastante interessantes e empolgantes. O episódio sobre Johnny Cage é um bom exemplo disso. Mas é no episódio final, com Sektor e Cyrax que temos momentos realmente muito bons de pancadaria, sem firulas, onde a intensidade de cada porrada é impactante. A leitura de um momento de Raiden assim que chega à Terra também é bem legal, explorando uma sitação sombria e que despertaria, inicialmente, pouco interesse, para falar como seria se alguém aparecesse aqui se dizendo Deus do Raio e do Trovão e protetor do Reino da Terra. Também citei anteriormente que as soluções em animação estilizada são muito interessantes e poderiam ser muito mais utilizadas ao longo da série, mas com menos frequência por episódio do que foi feito. E, claro, conhecer um pouco mais de histórias laterais da mitologia de Mortal Kombat é sempre muito interessante.
Creio que há muito o que a Warner possa evoluir nessa proposta. O que todos podemos sonhar seria com algo muito mais grandioso do que apresentado até aqui. Uma série adulta, no estilo HBO, como Game of Thrones, ou mesmo como Spartacus, da Starz, seria muito mais expressivo, teria certamente um público cativo e poderia, aí sim, explorar a violência inerente à essência de Mortal Kombat, sem abrir mãos de boas histórias de origem que pudessem culminar no tão aclamado torneio, que poderia inclusive ser um ótimo longa-metragem lançado nas salas de cinema. Mas enquanto isso, esperemos que a Warner e a NetherRealm tenham aprendido com os (muitos) erros cometidos até aqui e consigam estruturar melhor seu conteúdo para as mais diversas plataformas e para a vindoura segunda temporada. Não que uma série ruim abale o ótimo jogo lançado este ano, longe disso, mas se souberem como fazer, Mortal Kombat pode ser ainda maior. E com sangue, por favor.
O primeiro problema é o erro estratégico da Warner, dona dos direitos da franquia. Releituras e diferenças entre histórias contadas em mídias distintas nunca foram um problema em si. Afinal, cada mídia tem sua própria linguagem e adaptações em todos os sentidos devem ser feitas para que o produto possa funcionar. A questão é o momento. A websérie foi lançada exatamente no mesmo momento em que o novo jogo estava entrando nas prateleiras, recontando a história base da franquia, em uma espécie de reboot que, ao mesmo tempo, abre uma nova linha narrativa. E mais ou menos o que foi feito com outra grande franquia, só que no cinema: Star Trek. E o modo de história propriamente dito do jogo é o mais detalhado possível. A série, por sua vez, tomou outra direção e conta a mesma trama com diferenças muito grandes em questões básicas, como a relação entre Kitana e Mileena, por exemplo. Ou seja, em tempos onde a estratégia da Narrativa Transmídia abre possibilidades de expansão do universo em uma estrutura multiplataforma, a escolha feita com Mortal Kombat é de criar algo paralelo e não-canônico, o que desagradou grande parte dos fãs mais fervorosos.
Outra questão que também prejudicou bastante a proposta é que, exatamente por ser uma experiência ainda pouco explorada, também não arrebanha muitos investimentos. Pensando em uma franquia de criação de universos paralelos, batalhas épicas, fantasia e elementos fantásticos, questões técnicas de efeitos especiais, direção de arte, fotografia e mesmo interpretação pesam demais. O resultado são episódios visualmente muito pobres, com ambientes mal produzidos, figurinos próximos de cosplays ruins e efeitos especiais bastante limitados. No episódio dedicado a Scorpion e Sub-Zero, por exemplo, ainda que o ambiente esteja bastante adequado com toda a neve e o espaço aberto, o figurino parece uma adaptação de roupas de moleton! Já o elenco reune atores e atrizes que muitas vezes só podem ser identificados quando são explicitamente chamados pelos nomes conhecidos. Mesmo assim, temos um Jax baixinho, uma Sonya Blade bem mais velha, Kano sem barba, Baraka parecendo um orc porcamente maquiado e um Shang Tsung tão raquítico que dá muita dó. Enfim, nenhuma credibilidade é passada pelas áreas mais importantes da produção.
Ainda com todos esses problemas, o que mais incomoda mesmo nestes poucos episódios é a falta de equilíbrio citado no começo deste texto. Cada episódio, mesmo todos eles sendo dirigidos pela mesma pessoa, tem estruturas estética, narrativa e linguística completamente diferentes entre si. Enquanto os primeiros episódios se pautam num certo realismo, os seguintes seguem por outras vias. Ainda que espaços diferentes exijam tratamentos diferentes (um universo policial é diferente de uma dimensão calcada na magia), as bases da construção são alteradas a cada novo ato. Se no momento que trata da história das ninjas assassinas há inserções de animação (ainda que sejam alguns dos pontos mais interessantes dos episódios), esse recurso é totalmente ignorado em outros momentos, sendo considerado, de fato, só uma experiência abandonada. Ou seja, não há uma proposta visual orgânica, onde o espectador pode se sentir confortável. A série perde exatamente o equilíbrio ultrapassando a linha entre experimentação e um emaranhado de cenas e histórias sem nenhuma proposta. E que isso fique muito claro: buscar alternativas narrativas sempre é bem-vindo, desde que essa proposta seja coerente em si.
Ainda assim, essa primeira temporada não é totalmente ruim ou descartável. Algumas coreografias de lutas são bastante interessantes e empolgantes. O episódio sobre Johnny Cage é um bom exemplo disso. Mas é no episódio final, com Sektor e Cyrax que temos momentos realmente muito bons de pancadaria, sem firulas, onde a intensidade de cada porrada é impactante. A leitura de um momento de Raiden assim que chega à Terra também é bem legal, explorando uma sitação sombria e que despertaria, inicialmente, pouco interesse, para falar como seria se alguém aparecesse aqui se dizendo Deus do Raio e do Trovão e protetor do Reino da Terra. Também citei anteriormente que as soluções em animação estilizada são muito interessantes e poderiam ser muito mais utilizadas ao longo da série, mas com menos frequência por episódio do que foi feito. E, claro, conhecer um pouco mais de histórias laterais da mitologia de Mortal Kombat é sempre muito interessante.
Creio que há muito o que a Warner possa evoluir nessa proposta. O que todos podemos sonhar seria com algo muito mais grandioso do que apresentado até aqui. Uma série adulta, no estilo HBO, como Game of Thrones, ou mesmo como Spartacus, da Starz, seria muito mais expressivo, teria certamente um público cativo e poderia, aí sim, explorar a violência inerente à essência de Mortal Kombat, sem abrir mãos de boas histórias de origem que pudessem culminar no tão aclamado torneio, que poderia inclusive ser um ótimo longa-metragem lançado nas salas de cinema. Mas enquanto isso, esperemos que a Warner e a NetherRealm tenham aprendido com os (muitos) erros cometidos até aqui e consigam estruturar melhor seu conteúdo para as mais diversas plataformas e para a vindoura segunda temporada. Não que uma série ruim abale o ótimo jogo lançado este ano, longe disso, mas se souberem como fazer, Mortal Kombat pode ser ainda maior. E com sangue, por favor.
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